Tratamento do pé torto congênito pelo método de Ponseti

Atualmente, é amplamente reconhecida como padrão ouro para o tratamento do pé torto congênito a técnica desenvolvida pelo Prof. Ignácio Ponseti na Universidade de Iowa. O método Ponseti, quando realizado por profissionais treinados e observando-se a metodologia adequada, tem acima de 90% de sucesso na correção desta deformidade.

No entanto, muitos cuidados precisam ser aplicados ao longo do tratamento para garantir bons resultados. O sucesso final do tratamento é baseado no conhecimento e técnica médica apurada, orientação efetiva para os pais e monitoramento da aderência à órtese.

Os fatores fundamentais para o sucesso de tratamento e do programa aliam principalmente três elementos: a parte médica, treinamento adequado, certificação do profissional e orientação adequada; parte hospitalar, estrutura física, recursos humanos, recursos materiais e referencia; e a parte do paciente, cooperação, transporte, estrutura familiar e encaminhamento precoce.

Falhas em qualquer dos pontos citados acima podem levar ao abandono do tratamento, recidivas e complicações. A estruturação da clinica é essencial na obtenção de taxas elevadas de sucesso do tratamento, satisfação dos pais e prevenção de deformidades.

Conhecimento e técnica médica apurada

O conhecimento da patoanatomia e cinemática da deformidade pelo médico que realiza a manipulação é reconhecido como essencial para evitar as falhas na manipulação.  Além disso, o conhecimento da patologia e reconhecimento de suas variáveis também é importante para indicação e programação do tratamento, sendo, a avaliação inicial passo fundamental.

Entendendo o Tratamento Ponseti

O pé torto pode ser classificado? Sim, a classificação do pé torto em categorias melhora o entendimento para comunicação e tratamento.

Pé torto não tratado: abaixo dos dois anos de idade

Pé torto corrigido: corrigido pela técnica de Ponseti

Pé torto recidivado: supinação e equino aparecem após uma boa correção inicial

Pé torto resistente: pé torto rígido visto em associações com síndromes como artrogripose

Pé torto atípico: pé curto, gordinho, rígido, com prega plantar profunda posterior ao tornozelo, e encurtamento do primeiro metatarso com hiperextensão da articulação metatarso-falângica.

Como o tratamento de Ponseti pode corrigir a deformidade? Observa-se a deformidade básica do pé torto congênito com o tálus deformado e o navicular desviado medialmente. A técnica de Ponseti consiste em manipulações seriadas e trocas de gesso nas novas posições até que se atinja uma correção adequada para iniciar o próximo passo do tratamento

Quando o tratamento de Ponseti deve ser iniciado? Quando possível, o tratamento deve ser iniciado logo após o nascimento (7 a 10 dias). Se for iniciado antes dos nove meses de idade a maior parte das deformidades de pé torto pode ser corrigida com essa técnica.

Quando o tratamento é iniciado cedo, quantos gessos são necessários geralmente para a correção?

A maior parte das deformidades de pé torto podem ser corrigidas em aproximadamente seis semanas com manipulações seguidas da aplicação de gessos a cada semana. Se a deformidade não é corrigida após seis ou sete trocas de gesso, o tratamento provavelmente não está sendo eficaz.

Quão tarde pode ser iniciado o tratamento, e ainda ser eficiente? O tratamento é mais eficiente se for iniciado antes dos 9 meses de idade. O tratamento entre os 9 e os 28 meses é ainda eficaz para corrigir parcialmente a deformidade.

O tratamento pelo método de Ponseti pode ser utilizado para pés tortos negligenciados? O tratamento que é iniciado após os dois anos pode ser iniciado com gessos Ponseti. Na maior parte dos casos, a correção cirúrgica é necessária, mas a cirurgia pode ser mais limitada do que seria se não fosse utilizado o tratamento pelo método de Ponseti.

Qual é o resultado esperado na idade adulta para uma criança tratada pelo método de Ponseti? Em todos os pacientes com pé torto bilateral, o pé afetado é um pouco mais curto (em média 1,3cm) e mais estreito (em média 0,4cm) que o pé normal. O comprimento dos membros inferiores, por outro lado, é o mesmo, mas a circunferência da perna do lado afetado é menor (em média 2,3cm). O pé tratado deve ter boa força, ser flexível e não ser doloroso.

Qual é a incidência de pé torto em crianças quando um ou os dois pais são afetados? Quando um membro do casal é afetado com pé torto, há uma probabilidade de 3 a 4% de o filho nascer com pé torto. No entanto, quando os dois membros do casal foram afetados, o filho tem uma probabilidade de 15% de desenvolver pé torto.

Qual é a comparação entre os resultados do tratamento cirúrgico e os resultados do tratamento pelo método Ponseti? A cirurgia melhora a aparência inicial do pé mas não impede as recidivas. Importante mencionar que não há resultados a longo prazo com pacientes submetidos a tratamento cirúrgico até a data de hoje. Cirurgiões de pé e tornozelo relatam que esses pés tratados cirurgicamente se tornam fracos, rígidos e dolorosos na idade adulta.

Qual é a frequência de falha do tratamento pelo método Ponseti e quando a cirurgia torna-se necessária? A porcentagem de sucesso depende do grau de rigidez do pé, da experiência do cirurgião, e da confiabilidade da família. Na maioria das situações, pode se esperar uma porcentagem de sucesso maior de 90%. A falha é mais provável se o pé é muito rígido com uma prega plantar profunda.

O tratamento pelo método Ponseti é útil em pés tortos resistentes? O tratamento pelo método Ponseti é apropriado para crianças com artrogripose, mielomeningocele e Síndrome de Larsen. Os resultados podem não ser tão gratificantes como são para crianças com pés tortos idiopáticos, mas há vantagens nessa abordagem. A primeira é que o pé torto pode responder completamente ao tratamento pelo método de Ponseti, com ou sem tenotomia do tendão de Aquiles. Além disso, mesmo a correção parcial dessas deformidades pode reduzir a extensão da cirurgia e melhorar o fechamento da pele. O pé torto artrogripótico é talvez o maior desafio. Geralmente, é necessário fazer a tenotomia percutânea do tendão do calcâneo (Aquiles) para permitir qualquer correção de deformidade através de manipulações. A criação de uma deformidade em calcâneo-cavo não é uma preocupação devido à grave contratura das cápsulas articulares posteriores. É importante detectar a necessidade de cirurgia nesses casos.

O tratamento pelo método de Ponseti é útil em mielodisplasia? O tratamento por manipulação e gessos de pés insensíveis de crianças com mielomeningocele é preocupante, e geralmente criticado. O médico deve aplicar a pressão baseado em sua experiência com pé torto idiopático, onde o conforto da criança é o que limita o grau de correção. Deve-se ter paciência durante as manipulações e se esperar que um número maior de gessos será necessário. As manobras são suaves. A concentração de pressão sobre proeminências ósseas deve ser evitada, como em todas as crianças.

O tratamento pelo método de Ponseti é útil para pés tortos complexos? A experiência pessoal, e de outros, mostra que o tratamento pelo método de Ponseti pode ser eficaz quando aplicado em pés já manipulados e já tratados com outros gessos confeccionados de forma diferente desse tratamento.

Quais são os sinais de recidiva do pé torto? O pé geralmente apresenta supinação e equino.

Quais são normalmente os passos do tratamento do pé torto? A maior parte dos pés pode ser corrigida por breves manipulações e aplicação do gesso na posição de correção máxima. Após aproximadamente cinco gessos, o aduto e o varo são corrigidos. Uma tenotomia percutânea do tendão do calcâneo é realizada em quase todos os pés e o pé é mantido nessa posição por três semanas. A correção é mantida pela utilização de órtese de abdução durante a noite, que é continuada aproximadamente até 2 a 4 anos de idade. Pés tratados por esse tratamento mostraram-se com boa força, flexíveis e sem dor, permitindo uma vida normal.

Detalhes da técnica de Ponseti

Primeiros quatro ou cinco gessos (mais se necessário) Inicie tão logo seja possível. Deixe a criança confortável. Permita que a criança mame durante a manipulação e a confecção do gesso, ou após. O gesso deve ser feito pelo médico quando possível.

Reduza o cavo O primeiro elemento do tratamento é a correção da deformidade em cavo, posicionando o antepé em alinhamento adequado com o retropé. O cavo, que é o aumento do arco medial ocorre devido à pronação do antepé em relação ao retropé. O cavo é sempre flexível nos recém-nascidos e requer apenas a supinação do antepé para que seja obtida um arco longitudinal medial normal do pé. Em outras palavras, o antepé é supinado até que na inspeção visual da superfície plantar do pé mostre um arco medial de aparência normal, nem muito alto, nem muito plano. O alinhamento do antepé com o retropé é necessário para a obtenção de um arco normal, o que possibilitará a abdução efetiva do pé para corrigir o aduto e o varo.

Manipulação

A manipulação consiste de abdução do pé abaixo da cabeça do tálus estabilizada. Localize a cabeça do tálus. Todos os componentes da deformidade do pé torto são corrigidos simultaneamente. Para obter essa correção, é necessário localizar a cabeça do tálus, que é o fulcro da correção. Localize exatamente a cabeça do tálus.  Esse passo é essencial. Primeiro, palpe os maléolos com os dedos polegar e indicador da mão A enquanto a mão B segura os dedos e os metatarsos. A seguir, deslize o seu polegar e dedo index da mão A anteriormente para palpar a cabeça do tálus na frente da pinça do tornozelo. Devido ao fato de o navicular estar desviado medialmente, e sua tuberosidade está quase em contato com o maléolo medial, você pode sentir a parte lateral proeminente da cabeça do tálus (vermelha), bem subcutânea na frente do maléolo lateral. A parte anterior do calcâneo será sentida abaixo da cabeça do tálus. Ao mover o antepé lateralmente em supinação com a mão B, você será capaz de sentir o navicular se mover um pouco para a frente da cabeça do tálus, à medida que o calcâneo se move lateralmente abaixo da cabeça do tálus.

Estabilize o tálus  Coloque o polegar sobre a cabeça do tálus, como mostrado pelas setas amarelas no modelo plástico. A estabilização do tálus é o pivô da correção em torno do qual o pé roda quando é abduzido. O dedo index da mesma mão que está estabilizando a cabeça do tálus deve ser colocado posteriormente ao maléolo lateral. Isso estabiliza ainda mais a articulação do tornozelo enquanto o pé é abduzido e se contrapõe à tendência de o ligamento calcaneo-fibular posterior empurrar a fíbula posteriormente durante a manipulação.

Manipule o pé  A seguir abduzindo o pé em supinação, com o pé estabilizado pelo polegar sobre a cabeça do tálus, como mostrado pela seta amarela, abduza o pé o máximo possível sem causar desconforto à criança. Segure fazendo uma pressão suave por cerca de 60 segundos, e solte. A lateralização do navicular e da porção anterior do calcâneo aumenta à medida que ocorre a correção da deformidade. A correção completa é geralmente obtida no quarto ou quinto gesso. Em pés mais rígidos, podem ser necessários mais gessos. Nunca se deve pronar o pé.

Segundo, terceiro e quarto gessos  Durante essa fase do tratamento, o aduto e o varo são completamente corrigidos. A distância entre o maléolo medial e a tuberosidade  do navicular, que pode ser palpada, reflete o grau de correção do navicular. Quando o pé torto é corrigido, essa distância mede 1,5 a 2 cm e o navicular cobre a superfície anterior da cabeça do tálus. De forma semelhante, a magnitude do desvio da tuberosidade anterior do calcâneo sob a cabeça do tálus aumenta o ângulo talo-calcaneano, e portanto, a correção do varo do calcâneo.

Cada gesso mostra melhora progressiva  Note as alterações na sequência dos gessos.

Aduto e varo   Note que o primeiro gesso mostra a correção do cavo e do aduto. O pé permanece em equino. Os gessos 2 a 4 mostram a correção do aduto e do varo. Equino  A deformidade em equino melhora gradualmente com a correção do aduto e do varo. Isso é parte da correção porque o calcâneo dorsiflete à medida que é abduzido sob o tálus. Não se deve tentar a correção do equino antes da correção do varo do calcâneo.

Aparência do pé depois do quarto gesso   Observa-se a correção total do cavo, aduto e varo. O equino é parcialmente corrigido, mas essa correção é insuficiente, e há necessidade de uma tenotomia do tendão do calcâneo. Em pés muito flexíveis, o equino pode ser corrigido por alguns gessos adicionais sem tenotomia. Quando houver dúvida, faça a tenotomia.

Confecção, moldagem e retirada do gesso

O sucesso no tratamento pelo método de Ponseti depende de uma boa técnica de confecção do gesso. Aqueles com experiência na confecção de gessos para correção de pé torto podem encontrar mais dificuldades na realização do método de Ponseti do que aqueles que a realizam pela primeira vez. Recomendamos que seja utilizado gesso comum, porque é um material mais barato e pode ser moldado com maior precisão do que o gesso sintético.

Passos na confeção do gesso Manipulação preliminar  Antes da confecção de cada gesso, o pé é manipulado Não se deve segurar o calcanhar, para que o calcâneo possa ser abduzido junto com a parte anterior do pé.

Aplicando o algodão ortopédico  Aplique uma camada fina de algodão ortopédico para possibilitar uma moldagem mais eficaz do pé. Mantenha o pé na posição de máxima correção segurando o pé pelos dedos enquanto o gesso está sendo aplicado.

Colocação do gesso  Primeiro, aplique o gesso abaixo do joelho e estenda o gesso depois para a parte  proximal da coxa. Comece com três ou quatro voltas ao redor dos dedos, e depois trabalhe proximalmente na perna. Aplique o gesso suavemente. Dê alguma tensão ao rodar o gesso em torno do calcanhar. O pé deve ser segurado pelos dedos e o gesso enrolado sobre os dedos da mão de quem confecciona o gesso para que haja espaço suficiente para os dedos do pé.

Moldagem do gesso  Não force a correção com o gesso. Use pressão suave. Não faça pressão constante com o polegar sobre a cabeça do tálus; ao invés disso, pressione e solte repetidamente para evitar úlceras de pressão na pele. Molde o gesso sobre a cabeça do tálus segurando o pé na posição de correção. [E]. Note que o polegar da mão esquerda está moldando a cabeça do tálus enquanto a mão direita está moldando o antepé em supinação. O arco é bem moldado para evitar pé plano ou deformidade em mata-borrão. O calcâneo é bem moldado sobre a tuberosidade posterior do calcâneo. Os maléolos são bem moldados. O calcâneo não deve ser tocado durante a manipulação ou confecção do gesso.

A moldagem deve ser um processo dinâmico: mova constantemente os dedos para evitar pressão excessiva  sobre qualquer saliência óssea. Continue moldando até que o gesso endureça.

Estenda o gesso até a coxa  Use mais algodão ortopédico nesse local para evitar a irritação da pele. O gesso pode ser desenrolado indo e voltando na região anterior do joelho, para fortalecer e também evitar uma quantidade maior de gesso na fossa poplítea, que torna a retirada do gesso mais difícil.

Apare o gesso  Deixe uma superfície plantar de gesso para o apoio do dedos e corte o gesso na parte dorsal até as articulações metatarso-falângicas. Use uma faca de gesso para cortar esse gesso dorsal cortando o centro do gesso primeiro, e depois os cantos medial e lateral. Deixe a parte dorsal livre. Note o aspecto do gesso quando terminado. O pé está em equino, e o antepé está totalmente supinado.

Retirada do gesso Retire todos os gessos na clínica logo antes da confecção de um novo gesso. Evite a retirada dos gessos antes de chegar à clínica porque parte considerável da correção pode ser perdida do momento da retirada do gesso até a confecção de um gesso novo. A serra elétrica pode ser utilizada ou então a faca de gesso. NO caso da faca de gesso: Coloque o gesso submerso em água por cerca de 20 minutos, e depois enxugue o gesso com uma toalha antes da retirada. Use a faca de gesso, e corte obliquamente para evitar o corte da pele. Retire a parte da coxa primeiro. Depois, retire a parte distal do gesso.

Decidindo sobre a tenotomia Uma etapa muito importante do tratamento é determinar quando foi atingida a correção máxima necessária para se realizar a tenotomia percutânea. Com isso, obtém-se dorsiflexão e completa-se o tratamento. Essa etapa é atingida quando a parte anterior do calcâneo está abduzida e sai debaixo do tálus. A abdução permite que o pé seja dorsifletido sem que ocorra o esmagamento ente o calcâneo e a tíbia. Se não se tem certeza da abdução adequada, é recomendado fazer mais um ou dois gessos.

Características da abdução adequada  Confirme que o pé está suficientemente abduzido para colocar o pé em 15 a 20 graus de dorsiflexão antes de realizar a tenotomia. A palpação do processo anterior do calcâneo lateralmente é o melhor sinal de abdução suficiente do pé, pois reflete a abdução do calcâneo abaixo do tálus. É possível a abdução de cerca de 70 graus do pé  em relação ao plano da tíbia. Observa-se a posição neutra ou em leve valgo do calcâneo Isso é determinado pela palpação posterior do calcâneo. Lembre-se que essa é uma deformidade tridimensional e que todas as deformidades são corrigidas simultaneamente. A correção é obtida através da abdução do pé abaixo do tálus. O pé nunca deve ser pronado.

Resultado final  Após o final da fase de gesso, o pé deve parecer hipercorrigido em abdução considerando a aparência normal do pé durante a marcha. Isso não é realmente uma hipercorreção. Ela é de fato a correção completa do pé em abdução máxima normal. Essa correção completa, normal e em abdução máxima ajuda a evitar recidivas e não resulta em um pé hipercorrigido ou pronado.

Correção do equino e o quinto gesso

Indicações Certifique-se que os requisitos para a correção do equino foram atingidos

Tenotomia percutânea do tendão do calcâneo Planeje a realização da tenotomia Preparando a família

Prepare a família explicando o procedimento Um sedativo pode ser dado para a criança.

Equipamento Escolha uma lâmina 11 ou 15 ou outra lâmina menor como um bisturi oftálmico.

Preparação da pele Faça a assepsia da pele, do meio da panturrilha até o meio do pé, enquanto o assistente segura o pé pelos dedos com os dedos de uma mão, e a coxa com a outra mão.

Anestesia Uma quantidade pequena de anestésico local pode ser infiltrada próximo ao tendão.  Atenção para não utilizar muito anestésico, pois isso dificulta a palpação do tendão e torna o procedimento mais perigoso.

Tenotomia do tendão do calcâneo Faça a tenotomia aproximadamente 1,5 cm acima do calcâneo com o pé segurado em dorsiflexão máxima pelo assistente. Evite cortar a cartilagem do calcâneo. Um ressalto pode ser sentido quando o tendão é seccionado. Tipicamente obtém-se uma dorsiflexão adicional de 15 a 20 graus após a tenotomia.

Gesso após a tenotomia Confeccione o quinto gesso com o pé abduzido 60 a 70 graus em relação ao plano frontal da tíbia. Note a extrema abdução do pé em relação à perna e a posição do pé em hipercorreção. O pé nunca deve ser pronado. Esse gesso é deixado por 3 semanas após a correção completa.

Retirada do gesso Após 3 semanas, o gesso é retirado. Trinta graus de dorsiflexão é a dorsiflexão total obtida, e a cicatriz cirúrgica é mínima. O pé então está pronto para ser ortetizado.

Utilização da órtese

Protocolo de utilização da órtese A órtese é colocada imediatamente após a retirada do último gesso, três semanas após a tenotomia. A órtese consiste de botas de cano alto abertas na frente, e conectadas a uma barra. Em casos unilaterais, a órtese é colocada  em 70 graus de rotação externa do lado tratado (pé torto), e 40 graus de rotação do lado normal. Em casos bilaterais, é colocado a 70 graus de rotação externa de cada lado. A barra deve ter comprimento suficiente para que a distância entre os calcanhares seja a mesma distância entre os ombros. Um erro comum é prescrever uma órtese com uma barra muito curta, que é desconfortável para a criança. Uma órtese com a barra estreita é motivo comum para dificultar o uso da órtese, e a adesão ao tratamento. A barra deve ter uma curvatura de 5 a 10 graus com a convexidade para baixo para que os pés fiquem em dorsiflexão. A órtese deve ser utilizada por 23 horas (dia e noite) pelos primeiros três meses após a retirada do último gesso. Depois disso, a criança deverá utilizar a órtese por 12 horas à noite e mais 2 a 4 horas no meio do dia, totalizando 14 a 16 horas a cada período de 24 horas. Esse protocolo continua até que a criança tenha 3 a 4 anos de idade.

Por que utilizar a órtese? Ao final da fase de gesso, o pé está abduzido de forma exagerada, em torno de 75 graus (ângulo coxa-pé). Após a tenotomia, o gesso é deixado por três semanas. O protocolo Ponseti ressalta a importância do uso da órtese para manter a abdução, sendo esta uma barra conectada a botas abertas de cano alto. Esse grau de abdução dos pés é necessário para manter a abdução do calcâneo e do ante-pé e evitar recidivas. O pé vai gradualmente voltar-se para dentro, até cerca de 10 graus de rotação externa. As partes moles mediais ficam alongadas somente se a órtese é utilizada após a fase de gesso. Na órtese, os joelhos são deixados livres, e então a criança pode chutar e estender seus joelhos, para alongar seus músculos gastro-soleos. A abdução dos pés na órtese, combinada com leve angulação da barra (convexidade para baixo), confere dorsiflexão para os pés. Isso ajuda a manter o alongamento do músculo gastrocnemio e o tendão de Aquiles (calcâneo).

Importância do uso da órtese: As manipulações pela técnica de Ponseti combinadas com a tenotomia percutânea frequentemente dão resultados excelentes. No entanto, com a utilização inadequada da órtese, a recidiva da deformidade ocorre em mais de 80% dos casos. Esse número contrasta com apenas 6% de recidivas em famílias que utilizam a órtese adequadamente (Morcuende et al.).

Alternativas ao uso da órtese Alguns ortopedistas tentam “melhorar” o tratamento pelo método de Ponseti modificando o protocolo da órtese ou utilizando órteses diferentes. Eles defendem que a criança fica mais confortável  sem a barra e recomendam  o uso das botas sem a barra. Essa estratégia geralmente falha. As botas sozinhas não tem efeito sem a barra. Eles funcionam somente como ponto de conexão para a barra. Algumas órteses não são melhores que as botas sozinhas, e portanto, não têm indicação no protocolo do método. Se bem adaptadas, as órteses que incluem o joelho o tornozelo e o pé, como as órteses Wheaton, podem manter o pé abduzido e rodado externo. No entanto, essas órteses geralmente deixam o joelho fletido 90 graus. Essa posição causa encurtamento e atrofia do músculo gastrocnêmio e do tendão de Aquiles, levando à recidiva da deformidade em equino. Esse é um problema principalmente se essa órtese é utilizada nos três meses iniciais de uso contínuo da órtese.

Em resumo, só a órtese desenhada por Ponseti é uma órtese aceitável no tratamento pelo método Ponseti e deve ser usada à noite até que a criança tenha 3 a 4 anos de idade.

Estratégias para aumentar a adesão dos pais ao uso da órtese As famílias que seguem o uso da órtese de forma adequada são aquelas que leram sobre o tratamento pelo método de Ponseti pela Internet e escolheram esse método. Eles vêm ao consultório já com todas as informações e motivados. Os pais que menos seguem o protocolo são aqueles que não tiveram nenhuma informação sobre o método e precisam ser informados sobre ele na primeira consulta. A melhor estratégia para assegurar a adesão adequada dos pais ao protocolo é educá-los com todos os detalhes do método. O método de Ponseti deve ser visto como um estilo de vida que demanda um comportamento adequado. Aproveite o contato direto que ocorre durante a confecção dos gessos para conversar com os pais e enfatizar a importância do uso da órtese. Informe-os que o tratamento pelo método de Ponseti tem duas fases: a fase de gesso, inicial, quando o médico faz todo o trabalho, e a fase de uso da órtese, quando os pais fazem todo o trabalho. No dia da retirada do gesso após a tenotomia, “passe o bastão” da responsabilidade para os pais. Durante as instruções iniciais, ensine os pais a colocação da órtese. Faça com que eles pratiquem colocando e tirando a órtese várias vezes durante os primeiros dias e deixe que eles possam tirar a órtese por períodos breves de tempo para que os pés da criança se acostumem com as botas. Ensine os pais a exercitar os joelhos juntos (fletindo e estendendo) na órtese para que a criança se acostume a mover as duas pernas ao mesmo tempo. (Se a criança tenta chutar uma perna de cada vez, a barra não permite, e a criança pode se irritar). Alerte os pais que pode haver algumas noites difíceis até que a criança se acostume com a órtese. Sugira a analogia “domando um cavalo”: requer uma mão firme, porém paciente. Não deve haver nenhuma “negociação” com a criança. Agende a primeira visita em 10 a 14 dias. A razão dessa visita é monitorizar o uso adequado da órtese. Se tudo estiver bem, agende a próxima consulta para três meses, quando a criança passa para o protocolo de uso noturno da órtese (ou noites e “sonecas” durante o dia). É importante abordar o problema da adesão ao uso da órtese como um problema de saúde pública. Uma pequena almofada colada no contra-forte sobre o calcâneo pode ajudar na manutenção do posicionamento correto dos pezinhos nas botinhas da órtese.

Quando parar o uso da órtese Eventualmente, a criança pode apresentar valgo excessivo do calcâneo ou torção tibial externa durante o uso da órtese. Nesses casos, o médico deve reduzir a rotação externa das botas na barra de 70 graus para 40 graus. Por quanto tempo se deve manter a órtese? Não há resposta científica para essa pergunta. Pés mais graves devem seguir com o uso da órtese até os quatro anos, recomenda-se que mesmo os pés menos graves devem ser tratados com uso de órtese por 3 a 4 anos, se a criança tiver boa tolerância à órtese. A maioria das crianças se acostuma bem com a órtese, e ela se torna parte de seu dia-a-dia. No entanto, se for muito difícil manter a órtese depois de dois anos de idade, pode ser necessário parar o uso da mesma para proporcionar boas noites de sono para a criança e os pais. Essa medida não é aceitável para crianças mais novas. Abaixo dos dois anos, as crianças e suas famílias devem ser encorajadas ao uso adequado da órtese a todo custo.

 

Dr. Wilson Lino Junior

CRM 109146